A Fonologia Autossegmental tem como livro principal ‘Autosegmental and Metrical Phonology’ de John Goldsmith (1990). Contudo, ideias importantes foram previamente formuladas pela Teoria da Sílaba nos trabalhos de Kahn (1976) e Clements e Keyser (1983). O trabalho de Leben (1973) sobre sistemas tonais foi também importante na concepção teoria que estava sendo formulada. A principal motivação para a Teoria Autosegmental foi a de dar estatuto teórico para a sílaba e para o acento. No modelo precedente, a Fonologia Gerativa, a sílaba e o acento eram tratados como traços binários: [± silábico] e [± acento].
Sílabas são obrigatoriamente constituídas de um pico, ou núcleo que pode ou não ser precedido e seguido de partes periféricas. Os núcleos no português são sempre preenchidos por vogais e as partes periféricas são preenchidas por consoantes.
Contudo, a proposta de partes periféricas e núcleo não explica nem porque esta é a organização que existe em todas as línguas e nem porque línguas diferentes organizam os mesmos segmentos na sílaba de maneira diferente.
português | inglês | |
ortografia | vale | valley |
fonética | [ˈva.li] | [ˈvæl.i] |
Considere os exemplos do português e do inglês em que a sequência de sons é bastante similar e o ponto (.) indica onde ocorre a divisão da sílaba. Observe que em português o [l] é parte da segunda sílaba [ˈva.li] e no inglês o [l] é parte da primeira sílaba [ˈvæl.i]. Nos dois casos uma vogal central baixa precede o [l] e uma vogal [i] o segue. A questão que se coloca é: por que a silabificação de sequências similares pode ser diferente em duas línguas.
A resposta é: porque a gramática fonológica determina a boa formação de sílabas na gramática de cada uma das línguas.
A Teoria da Sílaba tem início nos trabalhos de Kahn (1976) e Clements e Keyser (1983), mas com formalismo elementar em que cada segmento era associado a uma camada superior.
O mérito desta proposta foi de criar níveis de representação multinivelares. Assim, postula-se que há um nível segmental (dos sons) e um nível da sílaba (que é representado pela letra grega delta: δ).
Estudos posteriores consolidaram a ideia de vários níveis de representação e sugeriram um nível de Posições esqueletais que são representadas por (x). Cada posição esqueletal representa uma unidade que conecta o nível segmental aos constituintes silábicos.
São quatro os constituintes silábicos e suas abreviaturas: Onset (O), Rima (R), Núcleo (N) e Coda (C). A rima é sempre associada a um núcleo e pode opcionalmente ter a ela associada uma coda.
Cada segmento – consoante ou vogal – que esteja presente na representação lexical é associado a uma posição esqueletal que é representada por (x). As representações lexicais são construídas a partir da projeção de cada vogal a um constituínte N (núcleo) que é associado à R (rima). Cada par de (O N), Onset e Núcleo forma uma sílaba (δ). Considere a representação lexical da palavra ‘fragmentos’.
Onsets podem ser simples ou complexos (ramificados). Um onset simples é preenchido por uma consoante como, por exemplo, [t]. Um onset simples pode também ser preenchido por duas consoantes formando uma consoante complexa, como, por exemplo, [kw]. No português as consoantes complexas são tradicionalmente [kw, gw], mas [lj, tʃ, dʒ] podem ser também interpretadas como consoantes complexas. Um onset complexo é associado à duas posições esqueletais como, por exemplo, [pl].
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Núcleos podem ser simples ou ramificados. Núcleos simples são associados a uma posição esqueletal que é preenchida com uma vogal (monotongo) ou um ditongo leve (que se comporta como um monotongo). Núcleos complexos têm duas posições esqueletais e são também denominados ditongos pesados e também representam as sílabas longas (quando uma vogal é associada à duas posições esqueletais).
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Silábas leves e pesadas são definidas a partir do número de posições esqueletais associadas à Rima. Em sílabas leves a Rima é associada a uma única posição esqueletal. Em sílabas pesadas a Rima é associada a duas posições esqueletais. Rimas com mais de duas posições esqueletais são raras (por exemplo: perspicaz, solstício).
Categorias vazias foram postuladas pela Fonologia Gerativa. Contudo, foi na Fonologia Autossegmental que elas adquiriram estatuto teórico por serem sujeitas a princípios específicos, como, por exemplo ‘Princípio de Categorias Vazias’. A palavra ‘afta’ ilustra a categoria vazia Ø
‘Princípio’ é um termo técnico importante na Fonologia Autossegmental por definir critérios de organização das representações lexicais.
Representações lexicais têm cada um dos segmentos vocálicos lexicalmente associados a uma Rima e, consequentemente a um Núcleo. Toda Rima é precedida de um Onset, formando uma sílaba (δ) como ilustrado na representação lexical da palavra ‘fragmentos’.
A partir da representação lexical o ‘Princípio de Silabificação’ define a associação das demais posições esqueletais como Onsets ou Codas.
A silabifiação tem estreita relação com a ‘Escala de Sonoridade’ que define os segmentos mais sonoros e os menos sonoros.
Duas consoantes em sequência formam um onset complexo quando a primeira consoante é menos sonora do que a segunda consoante: C–C+. São Onsets Complexos bem formados, por exemplo, pɾ, tɾ, bl, gl, kj, dw.
Duas consoantes em sequência são associadas à sílabas diferentes – a primeira consonte na Coda e a segunda consoante no Onset da sílaba seguinte – quando a primeira consoante é mais sonora do que a segunda consoante na sequência C+C–. São bem formados sequências de Coda-Onset como, por exemplo: st, hk, mb.
Princípio de Maximização do Onset
Este princípio define que consoantes devem ser consideradas preferencialmente como Onset desde que não violem a escala de sonoridade. Assim, quando uma única consoante precede um núcleo ela será associada a um Onset (casos das consoantes [g,m,t] na representação de ‘fragmentos’. Ou seja, a preferência é por onsets ramificados do que por codas. Seguindo a ‘Escala de Sonoridade’ e o ‘Princípio de Silabificação de Onsets’ tem-se a seguinte silabificação dos Onsets da palavra ‘fragmentar’ é:
Codas são avaliadas em seguida, considerando-se a ‘Escala de Sonoridade’ e a silabificação é concluída:
A palavra ‘fragmentos tem quatro sílabas sendo cada uma delas indicadas por δ. Temos os seguintes sons associados aos constituintes silábicos Onset, Núcleo e Coda:
sons | |
onset | [f, ɾ, g, m, t] |
núcleo | [a, e, ʊ] e Ø (vazio) |
coda | [N, s] |
Princípio do Contorno Obrigatório (mais conhecido como OCP [oseˈpe])
Proíbe sequências adjacentes de unidades idênticas nas representações fonológicas. Se dois segmentos idênticos ocorrem em posições adjacentes (como as consoantes geminadas ou as vogais longas), eles são a reduzidos um único segmento. Ou seja, há um só segmento associado a duas posições esqueletais.
No caso das consoantes geminadas observa-se a ambissilabicidade. Ou seja, o mesmo segmento é compartilhado por duas sílabas.
De maneira análoga à Fonologia Gerativa, a Fonologia Autossegmental sugere que somente três procedimentos ocorrem em Processos Fonológicos:
A ‘Inserção de Segmento’ é explicada pela associação de um segmento flutuante (floating) que passa a ser incorporado à representação e, recebe manifestação fonética. No caso da palavra ‘fragmentos’ a inserção de uma vogal epentética leva à pronúncia: [fɾagiˈmẽtus] como ilustrado em:
‘Categorias Vazias’ são processadas pelo ‘Princípio de Categorias Vazias’ (Empty Category Principle). ‘Categorias Vazias’ foram inicialmente propostas pela Sintaxe e a sua possível manifestação fonética está relacionada com o processamento formulado pela análise da língua.
O ‘Cancelamento de Segmento’ é ilustrado pelo desligamento (delink) do elemento nasal N da coda. O desligamento é indicado na representação por dois tracinhos entre o segmento e a posição esqueletal. Uma vez que o segmento foi desligado ele não tem manifestação fonética, ficando, portanto, externo à representação, como ilustrado em:
A ‘Modificação de Segmento’ é ilustrada pela nasalização da vogal [ẽ] que ocorre devido a assimilação do elemento nasal que havia sido desligado da representação (ver figura anterior). Processos fonológicos como o de assimilação são explicados pela Teoria Autossegmental como casos de ‘espraiamento’ ou ‘propagação’ de propriedades – ou traços distintivos – para segmentos adjacentes. No exemplo da vogal [ẽ] o elemento nasal N espraia ou se propaga para a vogal adjacente:
Dois princípios são relevantes em caso de espraiamento ou propagação: ‘Princípio de Direcionalidade’ e ‘Princípio de Adjacência’.
O ‘Princípio de Direcionalidade’ determina que o espraiamento ou propagação tenham direcionamento: esquerda-para-direita ou direita-para-esquerda. No exemplo ilustrado, o espraiamento ocorreu da direita-para-esquerda.
O ‘Princípio de Adjacência’ determina que o espraiamento ou propagação ocorrem em posições esqueletais adjacentes. No exemplo ilustrado, o elemento nasal e a vogal [e] estão em posições adjacentes.
Pratique este conteúdo fazendo os exercícios (ainda em fase de elaboração).