Fonêmica

introdução

O modelo fonêmico é descrito em Pike (1947): ‘Phonemics: a technique for reducing languages to writing’ (Fonêmica: uma técnica para reduzir línguas para a escrita). Como o título indica, o objetivo do modelo era promover sistemas de escrita. O Modelo Fonêmico pode ser compreendido como um modelo estruturalista. Os principais conceitos da Fonêmica são explorados a seguir.

1. soNs foneticamente semelhantes (SFS)

  • Consistem de um conjunto de dois ou mais sons que compartilham propriedades fonéticas. É a partir da identificação de SFS que o contraste entre sons é investigado.
  • SFS são pronunciáveis. São os sons atestados na coleta dos dados de fala.
  • Classes de SFS para as CONSOANTES são:

um sou vozeado e seu correspondente desvozeado[p]-[b]; [t]-[d]; [k]-[ɡ]; [tʃ]-[dʒ]; [f]-[v]; [s]-[z]; [x]-[ɣ]; [h]-[ɦ]
uma oclusiva e as fricativas e africadas com ponto de articulação idêntico ou muito próximo[t]-[s]; [d]-[z]; [t]-[tʃ]; [d]-[dʒ]; [ʃ]-[tʃ]; [ʒ]-[dʒ]
as fricativas com ponto de articulação muito próximo[s]-[ʃ]; [z]-[ʒ]; [x]-[h]; [ɣ]-[ɦ]
as nasais entre si[m]-[n]; [m]-[ɲ]; [n]-[ɲ]
as laterais entre si[l]-[ʎ]; [l]-[lʲ]- [ʎ]-[lʲ]; [l]-[ɫ]
as vibrantes entre si[ɾ]-[ř]
as líquidas (laterais, vibrantes e tepe) entre si[l]-[ɾ]; [l]-[ř]
sons com propriedades articulatórias muito próximas[n]-[nʲ]; [nʲ]-[ɲ]; [ɲ]-[ỹ]; [ʎ]-[y]; [lʲ]-[y]

Classes de SFS para as VOGAIS são: 

  • oral x nasal
  • plena x reduzida
  • UM grau de altura, recuo/avanço ou arredondamento dos lábios.
  • silabicidade (vogal ou glide)

Os SFS nas vogais tipicamente diferenciam uma ÚNICA propriedade articulatória. 

2. contraste fonêmico

O modelo fonêmico propões dois tipos de contraste:

  • Contraste em Ambiente Idêntico
    Quando os dois (ou mais sons) encontram-se no mesmo ambiente.
  • Contraste em Ambiente Análogo
    Quando os dois (ou mais sons) encontram-se em ambiente semelhante, mas não idêntico. Contraste em Ambiente Análogo é raro e só é aplicado em análises iniciais.

3. Pares Mínimos

Par de palavras que permite identificar fonemas.

4. Fonema

  • Fonemas são unidades abstratas, não pronunciáveis, que são representadas entre barras transversais.
  • Fonemas são identificados pela avaliação de SFS em pares de palavras.
  • Fonemas são identificados em duas palavras com significados diferentes cuja única diferença entre os sons da palavra for em relação à um dos sons. Por exemplo:
    • Nas palavras [ˈfakə] ‘faca’ e [ˈvakə] ‘vaca’ a única diferença é quanto ao som inicial que distingue o significado das palavras. Esta relação define que /f/ e /v/ são fonemas nesta língua (outras línguas requerem outra análise dos SFS e do contraste entre os sons).
  • Uma vez identificados os fonemas eles são sempre identificados como fonemas naquela língua. Por exemplo: não existe um par mínimo para a palavra ‘frio’ (porque a palavra ‘vrio’ não existe em português). Contudo, como /f/ foi previamente caracterizado como fonema, esta relação permanece e /f/ é o fonema inicial da palavra ‘frio’.

5. contexto

Ou ambiente define o local na palavra em que o som ocorre. Alguns contextos relevantes são:
V ____ V contexto intervocálico (entre vogais)
# ____ início de palavra
____ # final de palavra
____ + ____ limite de morfema
____ $ ____ limite de sílaba

6. aLOFONE

Alofones são identificados após SFS não terem sido definidos como fonemas.

Exemplos:

  • [h] e [x] são SFS, mas não foram encontrados pares mínimos entre os dois sons.
  • [d] e [dʒ] são SFS, mas não foram encontrados pares mínimos entre os dois sons.
  • Nestes casos, deve-se investigar se os SFS são alofones.

Alofones podem ser livres ou contextuais.

6a. Alofones livres
Podem ocorrer no mesmo contexto, mas as palavras não tem o significado diferente (se as palavras tivessem o significado diferente os SFS então seriam fonemas).

Considere [h] e [x]. No português brasileiro palavras, como [ˈmah] e [ˈmax] ‘mar’ ou [ˈhã] e [ˈxã] ‘rã’ não apresentam significados diferentes quando o som [h] ou [x] ocorre.

Casos de variação livre foram estudados na Sociolinguística a partir da década de 70 como tendo correlatos sociais: idade, sexo, classe social, etc.

Como definir qual é o fonema que engloba os dois SFS que são alofones? Escolhe-se um dos SFS, seja [h] ou [x] e assume que ele representa o fonema: /h/ ou /x/.

Alternativamente, pode-se sugerir uma outra representação para o fonema, neste caso, por exemplo, pode ser /R̄/ (Cristófaro Silva 2010).

6b. Alofones contextuais
Ocorrem em contextos exclusivos. Onde um som ocorre o outro não ocorre.

Definem a distribuição complementar ou variação contextual (é o contexto que determina quando um som ou outro ocorre).

Considere [d] e [dʒ]. No português brasileiro, [dʒ] ocorre sempre seguido de [i] e [d] ocorre ‘Nos Demais Ambientes’ (NDA).

 [dʒ][d]
seguido de [i]adia, ditado, mordi
NDAdado, dedo, duro, drama


A tabela mostra que sempre que [dʒ] ocorre logo em seguida ocorre um som [i]. Por outro lado, [d] ocorre seguido de vários outros sons, exceto [i].

Em casos de Distribuição Complementar, onde um som ocorre o outro não ocorre (contextos exclusivos):

  • [dʒ] – sempre seguido de [i]
  • [d]  – NDA

Como definir qual é o fonema que engloba os dois SFS que são alofones posicionais na distribuição complementar?

Escolhe-se como fonema o alofone que tem distribuição mais abrangente. No caso de [dʒ] e [d] tem-se que [dʒ] é restrito ao contexto seguinte ser [i]. Por outro lado, [d] é abrangente: ocorre nos demais ambientes (NDA). Por ter ocorrência abrangente, /d/ é definido como fonema:

Lê-se: O fonema /d/ se manifesta como [dʒ] quando seguido de [i], e se manifesta como [d] nos demais ambientes (NDA).

Em uma distribuição complementar temos um fonema que se relaciona aos vários alofones.

Fonemas estão no nível fonêmico e são representados entre barras transversais. Alofones estão no nível fonético e são representados entre colchetes.

7. rEGRA FONÊmICA

O formato de regra fonológica que segue foi utilizado no transição entre o modelo Fonêmico ou outros modelos estruturalista e o Modelo Gerativo.

Toda regra prevê que um fonema (entre barras transcersais) – que neste caso é /A/ – vai se transformar (a seta indica a transformação) em outro som – neste caso /B/, quando estiver em um determinado contexto que é indicado por ______ , e que neste caso é precedido de C e seguido de D.

Na regra acima, entende-se que: o fonema /A/ da descrição estrutural sofrerá a transformação e terá a mudança estrutural portanto se manifestando como o fone [B], no contexto que é precedido de [C] e seguido de [D].

No caso da alofonia contextual de [dʒ] e [d] discutida acima teremos a seguinte regra:

Na regra acima, entende-se que: o fonema /d/ da descrição estrutural sofrerá a transformação e terá a mudança estrutural portanto se manifestando como o fone [dʒ], no contexto que é seguido de [i].

8. nEUtRALIzAçÃO

A neutralização caracteriza que dois (ou mais fonemas) que estejam em contraste, perdem este contraste em contexto específico.

Considere as sibilantes [s, z, ʃ, ʒ]. Estes quatro SFS estão em contraste fonêmico que pode ser comprovado em palavras como ‘assa, asa, acha, haja’ ou ‘seca, Zeca, checa, jeca’. Portanto, são fonemas: /s, z, ʃ, ʒ/.

Contudo, no contexto posição final de sílaba o contraste fonêmico entre /s, z, ʃ, ʒ/ é perdido. Isso porque /s, z, ʃ, ʒ/ podem ocorrer no final de sílabas como [s, z, ʃ, ʒ] em exemplos como: mês, vesga, festa, mesmo.

Para representar a perda do contraste fonêmico em contexto ou ambiente específico fazemos uso de arquifonemas.

9. aRQUIFONEMA

O arquifonema representa a perda do contraste fonêmico decorrente da neutralização e é geralmente representado por letra maiúscula. No exemplo ilustrado em que /s,z,ʃ,ʒ/ perdem o contraste fonêmico em posição final de sílaba a análise convencional do português sugere que represente-se o arquifonema por /S/.

Arquifonemas, em geral, são representados por uma letra maiúscula.

10. tRANsCRIçÃO FONÊmiCA

As transcrições fonêmicas apresentam estritamente fonemas e arquifonemas (ou seja, alofones contextuais e livres não estão presentes nas transcrições fonêmicas).

No caso da alofonia de [dʒ] e [d] temos que as pronúncias [ˈdʒiə] e [ˈdiə] ‘dia’ têm a mesma transcrição fonêmica: /ˈdia/.

No caso da neutralização dos fonemas /s, z, ʃ, ʒ/ têm-se que as pronúncias [ˈmes], [ˈmez], [ˈmeʃ] terão a mesma transcrição fonêmica com o arquifonema /S/: /ˈmeS/.

11. Quadro fonêmico do português

Pratique este conteúdo fazendo os exercícios (ainda em fase de elaboração).