Fonologia Gerativa

Introdução

A Fonologia Gerativa tem como livro clássico o SPE: [ɛsɪ peˈɛ] ‘The Sound Pattern of English’ de autoria de Noam Chomsky e Morris Halle, publicado em 1968.

O modelo gerativo teve preponderância nos estudos de Fonologia até meados da década de 80 quando a Teoria Autossegmental trouxe novas explicações para a Fonologia, sobretudo no que diz respeito à sílaba e ao acento.

1. Representação ou forma superficial

O que tradicionalmente era denominado representação fonética passou a ser denominado representação superficial ou forma superficial no Modelo Gerativo. Representações superficiais são pronunciáveis e refletem dados reais de fala. Na concepção do Modelo Gerativo a representação superficial se relaciona ao Desempenho Linguístico. Representações superficiais são representadas entre colchetes: […..].

2. representação ou forma subjacente

Representação subjacente ou Forma subjacente refletem análises postuladas para os dados analisados. Estas representações não são pronunciáveis: são abstratas!

Estas representações podem ser metaforicamente compreendidas como sendo formadas por vários pequenos pedaços que são denominados traços distintivos.

Na Fonologia Gerativa os fonemas não têm estatuto teórico. O que era tradicionalmente concebido como fonema reflete a alteração de um ou mais traços distintivos. Representações subjeacentes são representadas entre barras transversais: /…../.

3. tRAçOs distintivos

Traços distintivos caracterizam as partes que constituem um som ou segmento. A Fonologia Gerativa fez uso do termo ‘segmento’ para caracterizar unidades sonoras.

Segmentos são constituídos de um feixe de traços distintivos que têm natureza articulatória, acústica ou perceptual.

Traços distintivos são binários: ou recebem o índice [+] ou [-]. Assim, o traço distintivo [+silábico] tem esta propriedade e o traço distintivo [-silábico] não tem essa propriedade. Todos os traços devem obrigatoriamente ter um índice [+] ou [-].

Um quadro indicando a matriz fonética dos traços distintivos das consoantes e vogais do português é apresentado a seguir (Cristófaro Silva, 2010):

MATRIZ AQUI

Cada coluna do quadro está relacionada ao segmento indicado no topo da tabela.

Cada linha indica um traço distintivo, sendo que este é binário e receberá o índice [+] ou [-].

É o conjunto de traços distintivos que define a característica sonora do segmento.

Fonemas não têm estatuto teórico na Fonologia Gerativa. O que era concebido como contraste fonêmico reflete a relação entre traços distintivos.

Considere os sons [p] e [b]. Eles têm todos os traços distintivos com os mesmos índices exceto para o traço [±vozeado]: [p] é [-vozeado] e [b] é [+] vozeado. Portanto, o que difere [p] e [b] é a representação interna do traço distinivo [vozeado], e não o segmento em sua totalidade (como previa o contraste fonêmico).

Alguns segmentos compartilham certos traços e podem ser agrupados em Classes Naturais.

4. cLAssEs naturais

Classes naturais são formadas quando um conjunto de segmentos pode ser definido com menos traços distintivos do que qualquer um dos segmentos em particular. Por exemplo, vogais orais e vogais nasais são definidas cada uma por dois traços distintivos. Mas, se agrupadas na classe natural ‘vogais’ apenas um traço distintivo é necessário.

Vogais oraisVogais nasaisVogais
+silábico+silábico+silábico
−nasal−nasal 


Uma classe natural é formada quando pelo menos um dos seguintes critérios é satisfeito:

  • os dois segmentos submetem-se juntos às regras fonológicas
  • os dois segmentos funcionam juntos nos ambientes das regras fonológicas
  • um segmento é convertido em outro segmento por uma regra fonológica
  • um segmento é derivado no ambiente de outro segmento (como nos casos de assimilação).

5. Processo fonológico

Um processo fonológico transforma um segmento em outro em contexto específico. Por exemplo, um processo fonológico de nasalização transforma uma vogal oral em uma vogal nasal. A transformação gera novas estruturas através do processo que foi realizado. A natureza processual da Gramática Gerativa explica as diversas formas superficiais atestadas nas línguas. Uma representação subjacente, abstrata e não pronunciável, é submetida à várias regras fonológicas de maneira que o mecanismo processual gera novas formas.  Ao final do processo a forma de saída é a representação superficial, que é pronunciável.

/Representação subjacente/
Regra fonológica 1
Regra fonológica 2
Regra fonológica 3
Regra fonológica 4
Regra fonológica 5
[Representação superficial]

O aparato formal dos processos fonológicos são regras fonológicas.

6. rEGRAs FONOLÓGICAs

Regras fonológicas têm a seguinte natureza:

A regra acima prevê que todas as vezes que a sequência /CAD/ for encontrada ocorrerá uma transformação em que o processo descrito pela regra fonológica acima gerará [CBD].

Regras fonológicas como critérios economia ou simplicidade. No caso de haver duas formulações possíveis para propor uma regra fonológica a escolha será pela regra mais econômica (em termos do número de traços adotados em sua formulação).

Cada elemento da regra ilustrada acima – A, B, C, D – são expressos por traços distintivos e não por símbolos. Contudo, é comum encontrar em manuais e artigos representações utilizando-se símbolos. Por exemplo:

/ V+acento / →  [Ṽ] / ____ C+nasal


Lê-se
: Uma vogal acentuada torna-se nasal quando seguida de uma consoante nasal.

A notação acima pode ser compreendida como uma ‘caricatura’ para representar a regra. O aparato formal prevê que traços distingivos sejam utilizados.

Tanto a ‘Descrição estrutural’ quanto a ‘Mudança estrutural’ ou os contextos devem ser ser expressos por traços distintivos ou notação específica como Ø (que representa um segmento ausente ou categoria vazia).

A indicação do contexto fonológico é expressa por ____, que pode ser precedido ou seguido de segmentos. Alguns símbolos específicos caracterizam contextos:

V ____ Vcontexto intervocálico (entre vogais)
# ____início de palavra
____ #final de palavra
____ + ____limite de morfema
____ $ ____limite de sílaba

Geralmente, um nome é dado para a regra fonológica. Por exemplo: Nasalização de vogal, Apagamento de vogal, Inserção de vogal, etc. O nome atribiuído à regra deve refletir o processo fonológico que foi executado.

Somente três tipos de processos fonológicos podem ocorrer: modificação, apagamento ou inserção de segmentos.

6a. Modificação de segmento

Um segmento é modificado e se manifesta com outras propriedades. Por exemplo, no PB uma vogal tônica seguida de consoante nasal é nasalizada. Exemplos são palavras como: cana, câmara, cena, cênico, etc. A regra fonológica que formaliza este processo é:

Lê-se: Uma vogal oral tônica torna-se nasal quando seguida de consoante nasal.

6b. Apagamento de segmento

Um segmento é apagado – sendo o apagamento representado pelo símbolo Ø – em um contexto específico. Por exemplo, no PB uma vogal alta anterior não-arredondada, [i] pode ser apagada em início de palavra quando seguida de duas consoantes: uma sibilante e outra consoante. Exemplos são palavras como: estante, espelho, esquece, etc. A regra fonológica que formaliza este processo é:

Lê-se: Uma vogal [i] é apagada quando seguida de sibilante e outra consoante.

6c. Inserção de segmento

Uma vogal alta anterior não-arredondada é inserida quando uma consoante [p,t,k] ocorre em final de palavra. Por exemplo, empréstimos de outras línguas que terminam com os sons [p,t,k] no PB terão uma vogal inserida após a consoante. Este processo fonológico é denominado epêntese. Exemplos são empréstimos adaptados ao português: cup, internet, link, etc. A regra fonológica que formaliza este processo é:

Lê-se: Uma vogal [i] é inserida quando uma consoante [p, t, k] ocorre em final de palavra.

Observação: além de [p, t, k] outras consoantes demandam a inserção da vogal [i] no final de palavra no PB, como, por exemplo, em palavras como: led, line, game, etc. A restrição para [p,t,k] no exemplo da regra de ‘Inserção de segmento’ visou simplificar o formalismo da regra.

7. cATEGORIAs VAzias

As regras de ‘Regra de apagamento de [i] seguido de duas consoantes e ‘Inserção de vogal [i] em final de palavra’ são formalizadas por categorias vazias que são simbolizadas por Ø. Categorias vazias sugerem um formalismo elegante para casos de apagamento e inserção de sergmentos, mas impõem um desafio quanto a natureza de seu conteúdo e quanto aos princípios que regulam a sua ocorrência. A Fonologia Autossegmental a ser apresentada no próximo item apresenta elementos teóricos sofisticados para a compreensão de categorias vazias.

8. aPLICAÇÃO DE regras fonológicas

A aplicação de regras fonológicas podem ser de dois tipos: obrigatórias e opcionais.

As regras fonológicas obrigatórias devem ser aplicadas sempre que o contexto a que são sujeitas é encontrado. No PB a regra de ‘Inserção de segmento’ em final de palavra, como ilustada acima, é obrigatória.

As regras fonológicas opcionais podem ou não se aplicar. A opcionalidade de uma regra pode encontrar explicações na Sociolinguística, que é a disciplina que investiga as relações de fenômenos linguísticos com parâmetros sociais. A opcionalidade de uma regra pode ser atribuída a parâmetros sociais como, por exemplo, localização geográfica, faixa etária, sexo, etc. No PB a ‘Regra de nasalidade de vogal tônica’ ilustrada acima é opcional, sendo mais recorrente nos estados do norte e nordeste do Brasil e menos frequente nos estados do sul do Brasil.

9. Ordenamento de regras fonológicas

Regras fonológicas podem ou não ser ordenadas, e duas relações podem ser estabelecidas: transparência e opacidade.

Relações de transparência entre regras fonológicas prevê que as regras podem se aplicar em qualquer ordem. Uma Regra-1 pode vir antes da Regra2, bem como a Regra-2 pode vir antes da Regra-1 e o resultado da aplicação das regras seria o mesmo. Se considerarmos a ‘Regra de nasalidade de vogal tônica’ e a ‘Regra de apagamento de [i] seguido de duas consoantes’ elas não precisam ser ordenadas. Isto porque nem descrição estrutural, nem a mudança estrutural e nem o contexto em que as duas regras se aplicam tem relacionamento entre si.

Relações de opacidade entre regras fonológicas prevê que quando as regras se aplicam em ordem distinta o resultado da aplicação das regras será diferente. Isto ocorre quando duas ou mais regras podem se aplicar no mesmo contexto.

São quatro tipos de relações de ordenamento de aplicação das regras fonológicas:

  1. Alimentação (Feeding)
  2. Contra-Alimentação (Counter-Feeding)
  3. Sangramento (Bleeding)
  4. Contra-sangramento (Counter-Bleeding)

Pratique este conteúdo fazendo os exercícios (ainda em fase de elaboração).